24.10.03

Mundo preto e branco


      Como explicar a um cego o mundo em cores? É uma pergunta que venho me fazendo, metaforicamente, há algum tempo. É preciso uma certa paciência e um imenso carinho, para começar. Esta é a parte fácil. Mas para concluir a obra, o que é necessário? Como dar o passo final, convencê-lo a largar a visão preta-e branca limitadora, se ele se atém a esta com unhas e dentes, considerando-a "bela" e "artística"?


      Brincando, certa vez, disse a um amigo que tenho imensos problemas com declarações que começam com um "acredito...". Nada contra a fé como último recurso, mas como primeiro, me dói a vista. Na vida não existem "crenças"; existem fatos e experiências e nossas reações aos mesmos. As ditas "crenças" somente nascem como uma espécie de segunda camada, uma interpretação criativa de dados faltosos. E uma das crenças mais perniciosas, ao meu ver, é aquela de que "o mundo não nos compreende". Ora, bolas, e porquê deveria? Somos nós os tijolos, junto com todo o resto da criação, para que ele exista. Por acaso devo eu "entender" minhas células para que elas cumpram sua função? Claro que não. As pessoas à minha volta tem algum tipo de responsabilidade, objetiva ou não, em abandonar, mesmo por instantes, suas vidas, e colocar-se em meu lugar? Não. Isto é uma escolha, e uma que necessita um tipo de consciência que poucos tem.
      Geralmente esse comportamento de "pária esclarecido" é fruto de uma necessidade horrenda de aceitação, de pertencer a um grupo maior como forma de auto-validação. Subscrever-se a um grupo anacrônico ou demodée é a forma mais básica de declarar, aos quatro ventos, sua impotência perante ao mundo constituído. É bem mais prático do que fazer algum esforço real de mudar ou criar novas regras, e batalhar por elas. Como deve ser bom, bradar e morrer por algo ideal e utópico e não conseguir experimentar o óbvio, ao alcance de todos, a felicidade quotidiana. Realmente, a angústia e o desencantamento devem ser muito atraentes para levar tantos a professá-los em prosa e verso. Ou não.
      Considero tais recursos frutos de mentes doentias, desequilibradas. Não preciso de tons emprestados de gente morta há muito para colorir a minha vida, obrigado. Gosto do novo, do vibrante, do vivo - uma escolha pessoal, espero que não se ofendam. E prefiro, também como escolha pessoal, a não falar de amor. Em cada dez pessoas, brotarão onze explicações para o que é amor. Então porquê discutir algo que, por sua essência, por mais paradoxal que pareça - é individual? Soa por demais pretensioso. Agrupar num mesmo balde "mágoa" e "solidão" pode ser esteticamente agradável, mas só denota o desconhecimento e a ignorância do que os mesmos são. Infelizmente, para alguns anjos poderem entender a humanidade foi necessário que perdessem suas asas. Alguns a cortes de motoserras. C?est la vie.

      Ainda, a "capacidade de amar" é algo programado geneticamente. Claro que isso ofenderá os menos esclarecidos, e já peço desculpas antecipadamente, mas sugiro uma ou duas visitas a uma boa biblioteca como remédio. Assim como a própria vivência é o remédio mais indicado àqueles que vivem num mundo encantado, com ursinhos coloridos com arco-íris nos peitos e pôneis falantes, mas que besteira, eu que não sou médico nem apotecário, a falar de remédios. Destes, mal conheço os constitucionais...
      Ao se olhar para as outras pessoas, muito há a se lamentar e bem pouco a celebrar. Prefiro passar meu tempo de forma mais palatável do que me lamentando, mas cada qual escolhe como melhor passa o seu tempo. Se a esclarecer o próprio caminho e progredir, ou a confundir alhos com bugalhos, traumas com justificativas, religiões com sacos de pedras, amantes com pais (ecos da Grécia, quiçá?) e por aí vai. Das linhas mal traçadas que escrevo e do espírito que as imbui bem sei eu, e garanto que não são para impressionar moças. Poderia continuar escrevendo sobre as parcas noções de sociedade e utilidade, ou que veneno também é remédio - tudo depende da dosagem - e que o fácil não importa, mas sim o correto ( E este é difícil e ninguém quer fazer! ), mas como já disse, não sou médico, apotecário, sociólogo ou dublê de escritor - sou apenas um estudante de direito, cansado, doente e de saco muito cheio.

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