29.11.05

Nos túneis


   Ele caminhava, cansado, após alguns dias de expectativa e trabalho duro. Uma viagem fora dos planos, hoje mais uma incoveniência que a oportunidade divertida de outrora. O tão costumeiro azedume em seu humor perdia para o gosto ruim que a noite anterior havia deixado em sua boca; afinal, aquele cocktail que tomara na noite anterior ainda precisava ser muito melhorado para ser chamado de drinque. Seu dia fora mais um passo na interminável jornada da construção de seu império, que crescia a olhos vistos. A única coisa fora do lugar, além de seu terno barato, era aquela estranha sensação, aquele "apontar", a presença que não deveria estar lá. Algo como aquela sensação que se tem segundos antes de descobrir que colocaram na sua caixa de entrada um relatório de contabilidade por engano. Algo tão prosaico que chegava a beirar o insignificante, porém suficiente para romper aquele vácuo entre a partida do trem e o subir das escadas.

   Nas luzes deslizantes em direção ao túnel, entre as almas de caronte e a solidão do condutor do estige, passava aquele que outrora fora seu irmão. Um pouco melhor que nos últimos dias; diziam que quando as pessoas estavam mortas pareciam mais saudáveis - heh, bela piada - . Parecia sozinho, tão sozinho quando se conheceram. Não o percebeu, estando em outro mundo. E enquanto pensava se bania ou não o espectro, lembrou-se de todas as ofensas proferidas, e bastou a si mesmo e ao mundo um simples "godspeed".

   Ser um caçador também envolvia saber deixar a presa escapar. Não há diversão em abater os últimos da manda, são velhos ou doentes. E na corrida dos próximos anos, aquele fantasma precisaria de pés velozes para escapar do que o esperava do outro lado.

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