19.3.03

Um dia de fúria

Noite estranha, com fantasmas que não deveriam estar lá e um demônio pessoal roendo os cantos mais escuros da minha mente. Noite de despedidas. Deus, como *odeio* despedidas. Apenas duas horas de sono aninhado no cheiro da pele dela, e sou acordado pelo meu carrasco particular, a campainha do depertador-celular. Nos vestimos em silêncio, silêncio estranho para quem não parou de conversar e trocar experiências por uma semana inteira. Em breve, o asfalto molhado de chuva e as luzes refletidas no espelho negro marcariam a cadência da marcha para o aeroporto.
Muito gostoso. Muito rápido. Muito profundo. Mais uma vez, sou arrastado por correntes que não compreendo muito bem - e ficam as opiniões e conselhos da minha away-amiga Nicole sobre relacionamentos a distância. Ela passa pelo check-in do aeroporto - dá uma breve olhada para trás, sua face uma máscara neutra - e se vai em asas de metal.
E eu fico para trás, preso pelo dever e desejando por alguns momentos que esse pequeno conto-de-fadas se torne real - mas não demais, senão se estraga. As dúvidas pipocam aqui e ali. Dedos acusados em riste, "L"s fantasmagóricos sobre minha testa, a sensação que a qualquer momento um rei cruel vai rir da pretensão deste "keeper".
A chegada em casa, levado pelos ventos da reflexão. A subida para a cobertura da torre, mais cinza sem ela. O balbuciar incessante de coisas sem sentido e medíocres que parece brotar aos borbotões da boca de minha mãe, como se fosse uma fonte eterna de sandices. Será que ela sabe o quão perto ela esteve de destruir algo puro e belo? Que se, por um instante, um pensamento passasse na direção errada - a mulher que adoro poderia virar-se e partir? Claro que não. Ela só se importa com Ana Maria Braga, Sua saúde pseudo-precária, a vidinha medíocre, e dinheiro, dinheiro, dinheiro - ad nauseaum.
A chegada no trabalho que detesto. Um esporro por causa de miseros quinze minutos de atraso, pedidos inuteis, chefes asininos. A visão, lentamente toldando-se rubra, a mão fechando-se, os olhos crispados de ódio frio.
Um dia isso vai dar merda.

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